terça-feira, 4 de outubro de 2011

O mundo pode exportar deflação em 2012

"Os bancos centrais do Brasil e de Israel estão certíssimos. Os mercados ainda estão flertando com o impossível." Foi com essa visão que o gestor de um fundo de hedge de US$ 45 bilhões, sediado em Nova York e forte presença na Ásia e no Brasil, deixou Washington no fim de semana, depois de conversar com vários presidentes de bancos centrais, durante a reunião anual do FMI/Banco Mundial. Ontem, mesmo depois que o Parlamento alemão aprovou o pacote de ajuda à Grécia divulgado em julho, seu pessimismo se manteve. "Esta crise será pior do que a de 2008/2009. A ruptura do sistema financeiro europeu está sendo subestimada pelos mercados, que ainda sonham com uma solução totalmente improvável."
Deflacao

O cenário, para ele, é de uma "japonização" da Europa e dos Estados Unidos - economias que podem viver uma "década perdida", com crescimento baixíssimo tal como ocorre há anos com o Japão. Para 2012, a expectativa que poucos se arriscam a verbalizar, mas que está no radar dos banco centrais, não é só de desinflação, mas de deflação nas economias avançadas. O que se agrava diante da realidade de que esses países não dispõem mais de instrumentos monetários e fiscais para buscar a retomada do crescimento.

A crise na visão de um grande hedge fund

Frente a esse quadro, tanto o presidente do BC do Brasil, Alexandre Tombini, quanto o de Israel, Stanley Fischer, saíram na frente e cortaram a taxa de juros. A decisão de ambos foi acertada, segundo esse gestor, porque inflação, agora, é o menor dos problemas. As economias desenvolvidas vão exportar deflação. "Não haverá inflação se não houver consumo nem produção", radicalizou. Com grandes aplicações na China, essa fonte, que preferiu o anonimato, vê uma redução nas exportações chinesas para a Europa e Estados Unidos. "Já há um zum-zum-zum lá, pois o desaquecimento das exportações das companhias chinesas vai reduzir os fluxos de recursos para as províncias. São esses recursos que sustentam a expansão do mercado imobiliário e de consumo no país. E tem problema também nos bancos pequenos de lá", disse. A China tem munição para contornar os efeitos da crise externa sobre sua economia, mas não para sustentar o crescimento do mundo. "Ela é o último pilar que sustenta as "Pollyannas" do mercado", comentou essa fonte.

O temor aumenta na medida que os mercados percebem que as lideranças políticas americanas e europeias estão "mais preocupadas com suas carreiras políticas" do que com os países que governam e não percebem que "essa morte em câmara lenta está matando os espíritos animais como um todo". A Europa deverá ter uma contração do PIB no último trimestre deste ano e o mesmo deverá ocorrer com a economia americana no primeiro trimestre de 2012. Para o mercado internacional, o pacote de ajuda à Zona do Euro, aprovado ontem pelo Parlamento alemão - que prevê o aporte de € 440 bilhões no fundo europeu de estabilização financeira -, foi uma boa medida, mas insuficiente. A saída mais visível para a Grécia seria a reestruturação da dívida (equivalente a 165,6% do PIB) com um generoso desconto, algo como 50%, avaliou. Nesse caso, Portugal e Espanha não passariam incólumes. O dominó derrubaria a Itália, terceiro maior mercado de bônus do mundo e poderia levar a uma crise bancária sem precedentes envolvendo, também, o sistema financeiro francês.

O problema é que quanto mais tempo durar essa agonia, mais cara será a saída. Em conversa recente com um interlocutor, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, comentou que há seis meses com US$ 400 bilhões se enfrentava o problema na Grécia. Hoje, pela contaminação de outros países, não se sabe se US$ 2 trilhões seriam suficientes para socorrer boa parte da Europa.

Os Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), chamados a participar de um pacote de ajuda à Zona do Euro, na visão desse gestor, não deveriam cogitar de tal alternativa sob o risco de ficarem "reféns" de novos aportes no futuro.

A aversão a risco está secando a liquidez em mercados importantes e, com a chegada do fim do ano, a tendência dos grandes fundos será a de proteger o desempenho obtido até agora. Quem estiver aplicado em commodities muito provavelmente vai querer sair, o que resultaria em queda mais acentuada nas suas cotações. A expectativa dos mercados, segundo ele, é de que o Banco Central Europeu corte a taxa de juros em 0,5 ponto percentual na próxima semana.

Essa leitura nua e crua da cena externa explicaria melhor as razões do Banco Central brasileiro para iniciar a redução dos juros em 31 de agosto. Uma leitura convencional do Relatório de Inflação, divulgado ontem pelo BC, traz bons argumentos para interromper o aumento da Selic, mas não propriamente para reduzi-la.

É no "cenário alternativo" com o qual o Comitê de Política Monetária (Copom) trabalha, cujos pressupostos são desconhecidos, que estão as expectativas do BC para o mundo em crise. E essas são, certamente, bem piores que as do mercado.

Fonte: artigo de Claudia Safatle para o Valor Econômico