sexta-feira, 27 de maio de 2011

Sobre Ateus, Crentes e Agnósticos

O texto abaixo foi publicado na Exame (o que me surpreendeu, já que ela é uma revista de negócios) e é particularmente interessante pela forma não passional com que o autor trata um assunto que normalmente é discutido de forma até mesmo radical...

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Tenho tentado ser pedagógico, educador em minhas respostas. Tenho minhas crenças e minhas dúvidas mas não uso essa oportunidade para impô-las nem para sugeri-las como o único modo de responder às perguntas que eles fazem. Opinião de pai tem peso – ou para ser seguida à risca ou para ser rechaçada sumariamente, sem muito titubeio. (E opinião de mãe, na idade deles, é uma lei pétrea.) Então primeiro ofereço a versão enciclopédica da resposta. Normalmente, começo dizendo que “isso ninguém sabe ao certo, não há uma resposta única, há pessoas acreditando em coisas diferentes”. E aí apresento as principais visões que existem sobre o tema. Se me perguntam o que eu acho, especificamente, aí sim declaro minha opinião. Frisando que é apenas a minha. Meu filho já declarou que não acredita em Deus porque viajou de avião e não viu ninguém sentado no céu. “Eu só acredito em anjinhos”, diz ele. (Eu também, meu anjinho, cada vez mais acredito só em vocês.)

Um dia talvez falemos de jeito mais aberto e franco sobre esses mistérios todos. Bebericando juntos alguma coisa. Aí eles perceberão quão poucas convicções eu tenho a respeito dessas grandes questões. O que me faz agnóstico. E cada vez mais agnóstico. (É provável que até que possamos tomar um trago juntos eu já não tenha mais convicção alguma nos bolsos…) Eis como me defino: o crente crê que existe. O ateu também crê – a sua crença é que não existe. Assim como o crente não pode provar que existe, e por isso precisa de Fé, o ateu também não pode provar que não existe, o que também requer, pasme, Fé da parte dele. O agnóstico simplesmente não crê. Não tem Fé alguma, nem na existência nem na não existência. E diante da impossibilidade de responder de forma definitiva a uma determinada questão, não descarta nenhuma possibilidade de resposta.

Sou agnóstico, não creio, não tenho Fé – mas confesso que gostaria de estar errado. Dou o benefício da dúvida a tudo, claro. E intimamente, tenho dois sentimentos dialogando comigo: de um lado, tendo a acreditar que não existe nada e que é tudo mentira, mas, de outro, torço sinceramente para que tudo seja verdade e para que tudo exista. Do ponto de vista literário, pense comigo, a vida, e especialmente a morte, seriam muito mais divertidas se Deus tivesse mesmo nos criado – e se a tese de que fomos nós que criamos Deus estivesse errada.

Nos meus dias mais descrentes, no entanto, penso que Deus é uma produção humana, e que ele foi criado por nós, à nossa imagem e semelhança, entre outras coisas, como um remédio contra a ansiedade. É insuportável para o Homo sapiens, desde sempre, conviver com a ideia de que não há controle possível sobre a vida, sobre o mundo, sobre as coisas, sobre o seu próprio destino. Deus é uma tentativa de estabelecer um fluxo, uma ordem, uma lógica, um sentido, um caminho certo, uma predestinação. Deus é uma explicação, é uma resposta. É um calmante, é um farol, é uma bússola nessa bruta escuridão, nesse desamparo do homem perdido num pontinho ínfimo no universo, nessa imensa ignorância que temos sobre quase tudo, sobre nós mesmos. A hipótese de o acaso, a oportunidade e a necessidade terem definido tudo que existe, sem uma intenção, sem a orquestração de uma inteligência superior, é aterradora, é desesperadora. Nos reduziria a sermos meramente carbono, átomos, moléculas organizados por sorte de um jeito que nos possibilitou ser quem somos. Então somos apenas uma outra versão da matéria que forma qualquer outra coisa? Então qualquer coisa pode acontecer? Então não há propósito em nossa existência, não somos especiais, não somos filhos de Deus, somos apenas um acidente químico? E a morte? Então vamos mesmo dar em nada, sem consecução alguma, como uma grama que seca que é tragada de volta à terra de onde ela brotou, sem qualquer consequência ou significado especial, num ciclo natural que simplesmente acaba? Precisamos acreditar que não é assim. Nos meus dias mais descrentes, é isso que enxergo: tivemos que inventar Deus para nos confortar. Precisamos dele para nos pautar na vida e para nos salvar da morte.

Mas, repito, torço para estar errado.