terça-feira, 2 de março de 2010

Uma nova forma de trabalhar

Novos escritórios, compartilhados, unem descontração e disciplina, favorecem o networking de cada um e estimulam negócios entre os participantes

Por Rafael Farias Teixeira

Daniela Toviansky
THE HUB
O diferencial mais importante desse escritório é associar a lógica do cotrabalho à inovação e à sustentabilidade

Espero um senhor meio corcunda e falador consertar o chuveiro de casa. Olho para o relógio, tentando me acostumar com a ideia de que chegarei atrasado no primeiro dia de trabalho. Ou melhor: de cotrabalho, ou coworking, do original em inglês. Por alguns dias trocarei a vida corporativa pelo trabalho nesse novo modelo criado pelo americano programador de sistemas Brad Neuberg e que, desde 2008, vem sendo adotado.

Em 2005 Neuberg perguntou-se como seria possível unir a liberdade de trabalhar fora das amarras corporativas com a disciplina e a socialização de um escritório, fugindo das tentações do home office — o canto aconchegante do sofá, ou o encanto de uma televisão solitária. Achou a resposta na sua casa: fundou o Factory Hat, ou melhor, deu esse nome ao loft que dividia com mais dois amigos em São Francisco e resolveu alugar espaços para outros trabalhadores como eles. República à noite, escritório comunitário pela manhã. Começava assim o movimento de coworking.

Depois de quase uma hora de espera, chego ao Ponto de Contato, um dos primeiros espaços dedicados ao coworking no Brasil, escondido em um pequeno prédio no bairro de Pinheiros. Descubro de cara uma das vantagens de cotrabalhar: o horário flexível. Você paga pelo seu espaço — parte de uma grande mesa ou bancada. Ou aluga uma mesa inteira, para acomodar até seis pessoas da sua empresa. O aluguel é cobrado por período, o que estimula a planejar com cuidado quanto tempo realmente é necessário trabalhar e em que horário é preciso começar.

Entre paredes brancas e decoração moderna, a copa e a sala de espera partilham um mesmo espaço. Adiante, uma outra sala abriga quatro mesas retangulares com setores alugados por período. Não há paredes entre eles.

Para a criadora do empreendimento, Fernanda Nudelman Trugilho, 28 anos, esse novo entorno beneficia quem opta pelo sistema. “Várias pessoas nos contam como esse ambiente as inspira a trabalhar. Não é porque temos um ambiente menos formal que ele deixa de ser profissional”, afirma a empreendedora.

Fernanda decidiu começar sua carreira de empresária no coworking, depois de uma tentativa frustrada de home office, como freelancer em publicidade. “Depois de alguns meses começaram a aparecer todos os problemas de trabalhar em casa”, afirma a empreendedora. “Desde a falta de infraestrutura, de privacidade e, principalmente, de disciplina, de uma separação entre vida pessoal e trabalho.” Conheceu o sistema de coworking pela internet e achou que em pouco tempo o Brasil estaria repleto de locais cheios de funcionários cotrabalhando em harmonia.

Em 2008 desistiu de esperar e criou o Ponto de Contato, com um investimento inicial de quase R$ 80 mil e o propósito de chamar a atenção de quem trabalha em casa. Conseguiu atrair profissionais autônomos e pequenas empresas. “Costumamos dizer que somos uma startup que auxilia outras startups”, afirma Daniel Fiker, 29 anos, formado em relações internacionais e sócio de Fernanda. Ele me apresenta o lugar e mostra a mesa em que começarei minha experiência como cotrabalhador. 

Daniela Toviansky
OS SÓCIOS Bruno e Daniela gastam R$ 2 mil mensais no Ponto de Contato,em vez de R$ 5 mil com um escritório convencional na região

Ao meu lado, Daniel tenta convencer um dos usuários, um webdesigner, a diminuir o volume dos seus fones de ouvido. Passo algumas horas trabalhando silenciosamente, até que Regina Magalhães, 41 anos, criadora e dona da editora Biografias e Profecias chega de uma entrevista e se apresenta. Embora tenha um escritório na região, prefere trabalhar no Ponto de Contato para se inspirar. “Sempre passo muito tempo com meus clientes. Quando sento para escrever o texto, me sinto muito sozinha. Prefiro o clima de coworking. Sou uma grande entusiasta do modelo”, afirma Regina, que escreve biografias de clientes decididos a preservar suas histórias. Não possui empregados fixos, trabalha com colaboradores — seis em média —, cada um em sua casa.

Além de internet, café quente, banheiro, copa, o Ponto de Contato oferece linhas telefônicas, impressora e sala de reuniões para os usuários — serviços cobrados separadamente dos valores de aluguel de espaço, que variam de R$ 50 a R$ 500, dependendo dos dias e horas de trabalho, por usuário. “Algumas pequenas empresas não têm verba para infraestrutura própria ou não têm tempo para se preocupar com a parte operacional”, diz Fernanda.

“Somos cinco, mas acreditávamos que não era preciso alugar um espaço para nossa empresa”, diz Bruno Amaro, 26 anos, sócio-diretor da Mona Estratégia Cultural, empresa de assessoria para patrocínio e investimento em cultura, que gasta R$ 2 mil por mês, em média, com todos os serviços do Ponto de Contato. Menos da metade dos R$ 5 mil que custaria uma sala de 55 metros quadrados na mesma região. “Nós descobrimos o coworking e achamos muito interessante essa interação com empreendimentos de outras áreas. Uma das vantagens é a possibilidade de novos contatos comerciais.” No Ponto de Contato trabalham entre 16 e 20 usuários, contatos comerciais em potencial.

O Internacional
Meu primeiro encontro com o The Hub foi tão surpreendente como galgar as escadas escuras do Ponto de Contato. O prédio, próximo da avenida Paulista, não se parece com um escritório. Do lado de fora, apenas um estacionamento. No interior, um salão quase vazio — duas mesas com cadeiras laranja — e um corredor que conduz a um galpão com cotrabalhadores.

O The Hub foi introduzido no Brasil pelo argentino Pablo Handl em parceria com três sócios brasileiros, em agosto de 2008, segundo os padrões internacionais do empreendimento, que surgiu em Londres em 2005 e hoje tem sede em 12 países. A sua peculiaridade é congregar empresas e trabalhadores voltados para a inovação e a sustentabilidade. “Nós reunimos empresas que buscam lucro, mas também alguma melhoria para o mundo”, afirma Maria Piza, coordenadora do The Hub São Paulo. “Aqui é um ótimo lugar para pessoas e empresas alinhadas a esse conceito ou que queiram agregá-lo ao seu empreendimento.”

Janelas altas, claraboias no teto, paredes cruas e sem pintura. Um cenário rústico, não fossem a decoração clean e moderna, os pufes, os deques que abrigam alguns dos usuários, um solitário balanço e uma rede em um dos cantos.

Maria me recebe sem cerimônias e sugere que eu me instale onde quiser. As hostess do Hub estão ali para ajudar na interação dos usuários, fazendo apresentações e quebrando a timidez dos recém-chegados.

No corredor, um mural expõe fotos dos atuais usuários do The Hub, apresenta uma breve descrição de suas ocupações ou de suas empresas — mais um facilitador de possíveis contatos. Eduardo Freitas, 35 anos, sócio-diretor da empresa EcoAct, de consultoria para assuntos do meio ambiente e desenvolvimento sustentável, encontrou parceiros para seu empreendimento no próprio quadro de usuários do Hub. “A empresa que faz nossa comunicação é do The Hub”, afirma. “Nós decidimos pagar até um pouco mais para ficar aqui do que custaria ter um escritório próprio, justamente por causa dessa circulação de pessoas diferentes, novas ideias”, diz. Freitas pode aproveitar uma rede com 140 contatos, o total de usuários atuais que pagam entre R$ 50 e R$ 665 por um espaço.

Enquanto espero para conversar com outros empresários, observo um homem de roupas folgadas e tamancos Croc fazer alongamentos em uma das áreas de socialização. Logo depois Maria faz as apresentações. Daniel Contrucci, 30 anos, abriu a operadora de turismo sustentável Aoka com seu sócio Ricardo Gravita, 30. Com investimento inicial de R$ 50 mil, os dois planejam lançar o site da empresa e vender pacotes de viagens que integrem os turistas ao meio ambiente e às comunidades locais. “Aqui nós temos consultoria de graça e damos muita consultoria de graça”, afirma Gravita, sobre as vantagens do coworking para uma pequena empresa.

O The Hub de São Paulo atrai muitos empreendedores internacionais. “Eles geralmente já conhecem o padrão e sabem que aqui vão encontrar pessoas que falam inglês e estão alinhadas com sua visão de mundo”, afirma Maria.

O trabalho em comunidade inclui uma pausa diária, às 17h, para um coffeebreak criado para estimular o networking. Tanto o Ponto de Contato quanto o The Hub ainda oferecem workshops e palestras para as empresas que escolhem esses locais como seus escritórios oficiais.

Durante o meu cotrabalho no Ponto de Contato e no The Hub, descobri que o conceito começa a se expandir e a ser conhecido por uma quantidade crescente de pequenos empresários e trabalhadores autônomos brasileiros. Juliana Cernea, 30 anos, formada em ciências sociais, resolveu criar um espaço de coworking depois de morar oito anos em Londres e se familiarizar com o sistema. Abriu a Serralheria no final de novembro, no bairro da Lapa.

Deu um passo adiante e não oferece mais do que espaços em mesas para trabalhadores que precisam de internet, café fresco e consultoria gratuita. Professores de ioga, de artes circenses ou de outras atividades também podem usar o local para suas aulas. Com a ajuda de outros quatro sócios, investiu R$ 40 mil no local, que antes era uma serralheria, e tornou-se mais uma seguidora do movimento de coworking. “Mais do que nunca o trabalho colaborativo é o que funciona. Juntos chegamos longe”, afirma.

Saio do meu último dia no The Hub tendo que pensar na resposta para a mesma pergunta feita por Contrucci, no Ponto de Contato, e agora por Maria. “E aí? Gostou?” Como muitos que desistiram de trabalhar em casa ou que acharam o sistema de coworking “moderno” demais, respondo com um “sim” saudoso das formalidades da redação. Imagino que a mesma resposta “sim” certamente adquiriria um grau de convicção muito maior após um período mais longo de cotrabalho.

O coworking se desenvolve em países com uma visão do mercado de trabalho menos paternalista e tradicional — no caso do Brasil, talvez ainda leve um tempo até encontrarmos em cada esquina escritórios inspirados no novo conceito. Fica a convicção de que, se a extinção do escritório tradicional ainda é uma possibilidade remota, com certeza o coworking é uma ótima alternativa, e vai chegar longe.

Fonte: Pequenas Empresas, Grandes Negócios

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Posted via email from Ramon E. Ritter